terça-feira, 19 de abril de 2016

domingo, 10 de abril de 2016

O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO .....




A criminalização do enriquecimento ilícito já é uma realidade para muitos Estados. Porém, existe um número significativo que optou por não criminalizar o enriquecimento ilícito, sendo que outros ainda se encontram a estudar as implicações do crime, como é o caso de Portugal.
 
Desde 2003 que no território de Macau se decidiu criminalizar o "enriquecimento injustificado", no art.º 28º da Lei 11/2003, definindo-se ali que estaremos perante um crime quando o rendimento ou património seja anormalmente superior ao indicado na declaração de rendimentos. Mas esta nova lei tem sido alvo de várias críticas. Uma dessas criticas tem sido a de que viola o princípio da presunção de inocência. Com efeito, o arguido presume-se culpado, pois a norma cria uma presunção de culpabilidade, salvo prova em contrário.
 
Também a China prevê o crime de enriquecimento injustificado. O art.º 395º, 1º parágrafo do CP32, não é muito diferente do art.º 28º da Lei 11/2003 de Macau.
 
Também muitos países da América Latina decidiram criminalizar o enriquecimento ilícito, demonstrando uma enorme cooperação ao nível continental, mas, contrariando os seus vizinhos fronteiriços, o Brasil ainda não criminalizou o enriquecimento ilícito. No entanto, a discussão não é de agora.
Em 1959, Francisco Bilac Moreira Pinto já defendia a criminalização do enriquecimento injustificado, argumentando que a sua punição seria uma boa arma contra a corrupção existente no Brasil, sobretudo ao nível de funcionários públicos e agentes políticos.
 
Tal como em Portugal, também a criminalização do enriquecimento ilícito tem sido alvo de muita discussão na doutrina brasileira, estando, neste momento, pendente um Projecto de Lei, com o nº. 5.586/2005 no Congresso, que tem como objectivo criminalizar o enriquecimento, acrescentando ao CP o art.º 317º - A.
 
Na Europa, a criminalização do enriquecimento ilícito há muito que anda a ser discutida, sendo que a abordagem tem sido diferente de Estado para Estado.   Começaremos pelo exemplo italiano: em 1992 o legislador italiano ensaiou uma solução de punição de enriquecimento ilícito, acrescentando ao art.º 12º - quinquies da lei nº 356 de 1992, um secondo comma. Este previa a pena de prisão e confisco dos bens dos arguidos, quando estes bens eram desproporcionais ao próprio rendimento declarado para efeitos fiscais e que não justificassem a origem lícita. Porém em 1994, e após muita discussão, a solução foi considerada inconstitucional pela Corte Costituzionale.
 
Em França, no art.º 321º, nº. 6 do CP, prevê-se um tipo de incriminação em tudo semelhante ao do enriquecimento, mas apresenta-a num contexto completamente diferente: aplica-se apenas ao enriquecimento das pessoas que tenham uma relação habitual com pessoas que se dediquem à prática de crimes com pena de prisão superior a cinco anos, e obtenham proveitos dessa relação.
O caso espanhol é, na Europa, provavelmente o mais interessante. É que em 2010, por intermédio da Ley Orgánica 5/2010, de 22 de Junio, foi introduzido uma série de alterações no CP espanhol, que modificou a lei anterior - a Ley Orgánica 10/1995, de 23 de Noviembre. De entre as várias alterações propostas pelo Proyecto de Ley de Reforma del Código Penal (PrLRCP), sublinhamos a alteração do regime do comiso (confisco), art.º 127º do CP espanhol que determina a perda dos bens, meios e instrumentos que facilitaram a execução do crime, assim como das vantagens obtidas.
O legislador espanhol tornou o comiso a maior arma de luta contra a criminalidade organizada, introduzindo um novo parágrafo ao art.º 127º, nº. 1, mas ainda assim, sem cair na tentação de criar o crime de enriquecimento ilícito.
Aproveitando a iniciativa reformadora e seguindo as indicações da OCDE bem como da CNUCC, foi igualmente discutida a criação do crime de posse injustificada de bens. Contudo, o legislador espanhol optou por transformar radicalmente o regime do comiso, em vez de criar o crime de enriquecimento ilícito.
Para alcançar os objetivos, criou-se uma presunção legal em que se considera proveniente do crime o património do condenado que seja desproporcional aos rendimentos declarados. Esta presunção apenas funciona em relação aos condenados que sejam membros de uma organização criminosa, solução que foi bastante criticada. Desta forma, o Juiz pode determinar o confisco dos bens, desde que se verifiquem dois pressupostos: i) o condenado pertença à organização e ii) possua bens. A verificação destes dois pressupostos é suficiente para vincular esses bens à atividade criminosa da organização, sem necessidade de se ter de provar a participação do possuidor do bem no crime. Em suma, não é necessário provar a relação direta entre o crime e o bem, desde que o condenado seja membro de uma organização criminosa.
 
Em Portugal a discussão não foi diferente da tida na maioria dos países europeus e um dos principais argumentos apresentados contra a criminalização do enriquecimento ilícito é a violação dos princípios básicos do sistema penal, em especial, do princípio da presunção de inocência, do direito à não auto incriminação e da inversão do ónus da prova.
 
O princípio da presunção de inocência está inscrito na Constituição, sendo por isso um direito fundamental, inserido nos direitos, liberdades e garantias, e não um mero "princípio programático". Desta forma, beneficia do regime constante dos arts.º 17º e 18º da Constituição, sendo oponível erga omnes, com função de "constituir na elevação dos direitos, liberdades e garantias, mas não no rebaixamento de outros direitos fundamentais", ou seja, só poderá ser restringido para a salvaguarda de outros direitos constitucionais.
 
Já o princípio in dubio pro reo consiste num non liquet em matéria de prova, devendo esta ser valorada a favor do arguido. O processo penal assenta numa dúvida: a culpa do agente. Perante esta dúvida, tem de se chegar a uma certeza no fim do processo. Na verdade, a regra do in dubio pro reo só tem razão de ser à luz do princípio da presunção de inocência, pois o Juiz, perante a dúvida inultrapassável, deve decidir a favor do arguido.
Outra das garantias constitucionais que, alegadamente, o crime de enriquecimento ilícito violaria é a proibição de auto - incriminação relativamente ao suspeito ou arguido. A consagração do princípio surge apenas expressa no CPP, na vertente do direito ao silêncio (arts.º 61, nº. 1, alínea d), 132º, nº. 2, 141º, nº. 4, alínea a) e 343º, nº. 1)).
 
Não obstante todas estas considerações de natureza jurídica valeria a pena insistir no assunto, mas desenhando um quadro jurídico conforme a Constituição e o respeito por todos estes princípios estruturantes do processo penal.