terça-feira, 19 de abril de 2016

domingo, 10 de abril de 2016

O ENRIQUECIMENTO ILÍCITO .....




A criminalização do enriquecimento ilícito já é uma realidade para muitos Estados. Porém, existe um número significativo que optou por não criminalizar o enriquecimento ilícito, sendo que outros ainda se encontram a estudar as implicações do crime, como é o caso de Portugal.
 
Desde 2003 que no território de Macau se decidiu criminalizar o "enriquecimento injustificado", no art.º 28º da Lei 11/2003, definindo-se ali que estaremos perante um crime quando o rendimento ou património seja anormalmente superior ao indicado na declaração de rendimentos. Mas esta nova lei tem sido alvo de várias críticas. Uma dessas criticas tem sido a de que viola o princípio da presunção de inocência. Com efeito, o arguido presume-se culpado, pois a norma cria uma presunção de culpabilidade, salvo prova em contrário.
 
Também a China prevê o crime de enriquecimento injustificado. O art.º 395º, 1º parágrafo do CP32, não é muito diferente do art.º 28º da Lei 11/2003 de Macau.
 
Também muitos países da América Latina decidiram criminalizar o enriquecimento ilícito, demonstrando uma enorme cooperação ao nível continental, mas, contrariando os seus vizinhos fronteiriços, o Brasil ainda não criminalizou o enriquecimento ilícito. No entanto, a discussão não é de agora.
Em 1959, Francisco Bilac Moreira Pinto já defendia a criminalização do enriquecimento injustificado, argumentando que a sua punição seria uma boa arma contra a corrupção existente no Brasil, sobretudo ao nível de funcionários públicos e agentes políticos.
 
Tal como em Portugal, também a criminalização do enriquecimento ilícito tem sido alvo de muita discussão na doutrina brasileira, estando, neste momento, pendente um Projecto de Lei, com o nº. 5.586/2005 no Congresso, que tem como objectivo criminalizar o enriquecimento, acrescentando ao CP o art.º 317º - A.
 
Na Europa, a criminalização do enriquecimento ilícito há muito que anda a ser discutida, sendo que a abordagem tem sido diferente de Estado para Estado.   Começaremos pelo exemplo italiano: em 1992 o legislador italiano ensaiou uma solução de punição de enriquecimento ilícito, acrescentando ao art.º 12º - quinquies da lei nº 356 de 1992, um secondo comma. Este previa a pena de prisão e confisco dos bens dos arguidos, quando estes bens eram desproporcionais ao próprio rendimento declarado para efeitos fiscais e que não justificassem a origem lícita. Porém em 1994, e após muita discussão, a solução foi considerada inconstitucional pela Corte Costituzionale.
 
Em França, no art.º 321º, nº. 6 do CP, prevê-se um tipo de incriminação em tudo semelhante ao do enriquecimento, mas apresenta-a num contexto completamente diferente: aplica-se apenas ao enriquecimento das pessoas que tenham uma relação habitual com pessoas que se dediquem à prática de crimes com pena de prisão superior a cinco anos, e obtenham proveitos dessa relação.
O caso espanhol é, na Europa, provavelmente o mais interessante. É que em 2010, por intermédio da Ley Orgánica 5/2010, de 22 de Junio, foi introduzido uma série de alterações no CP espanhol, que modificou a lei anterior - a Ley Orgánica 10/1995, de 23 de Noviembre. De entre as várias alterações propostas pelo Proyecto de Ley de Reforma del Código Penal (PrLRCP), sublinhamos a alteração do regime do comiso (confisco), art.º 127º do CP espanhol que determina a perda dos bens, meios e instrumentos que facilitaram a execução do crime, assim como das vantagens obtidas.
O legislador espanhol tornou o comiso a maior arma de luta contra a criminalidade organizada, introduzindo um novo parágrafo ao art.º 127º, nº. 1, mas ainda assim, sem cair na tentação de criar o crime de enriquecimento ilícito.
Aproveitando a iniciativa reformadora e seguindo as indicações da OCDE bem como da CNUCC, foi igualmente discutida a criação do crime de posse injustificada de bens. Contudo, o legislador espanhol optou por transformar radicalmente o regime do comiso, em vez de criar o crime de enriquecimento ilícito.
Para alcançar os objetivos, criou-se uma presunção legal em que se considera proveniente do crime o património do condenado que seja desproporcional aos rendimentos declarados. Esta presunção apenas funciona em relação aos condenados que sejam membros de uma organização criminosa, solução que foi bastante criticada. Desta forma, o Juiz pode determinar o confisco dos bens, desde que se verifiquem dois pressupostos: i) o condenado pertença à organização e ii) possua bens. A verificação destes dois pressupostos é suficiente para vincular esses bens à atividade criminosa da organização, sem necessidade de se ter de provar a participação do possuidor do bem no crime. Em suma, não é necessário provar a relação direta entre o crime e o bem, desde que o condenado seja membro de uma organização criminosa.
 
Em Portugal a discussão não foi diferente da tida na maioria dos países europeus e um dos principais argumentos apresentados contra a criminalização do enriquecimento ilícito é a violação dos princípios básicos do sistema penal, em especial, do princípio da presunção de inocência, do direito à não auto incriminação e da inversão do ónus da prova.
 
O princípio da presunção de inocência está inscrito na Constituição, sendo por isso um direito fundamental, inserido nos direitos, liberdades e garantias, e não um mero "princípio programático". Desta forma, beneficia do regime constante dos arts.º 17º e 18º da Constituição, sendo oponível erga omnes, com função de "constituir na elevação dos direitos, liberdades e garantias, mas não no rebaixamento de outros direitos fundamentais", ou seja, só poderá ser restringido para a salvaguarda de outros direitos constitucionais.
 
Já o princípio in dubio pro reo consiste num non liquet em matéria de prova, devendo esta ser valorada a favor do arguido. O processo penal assenta numa dúvida: a culpa do agente. Perante esta dúvida, tem de se chegar a uma certeza no fim do processo. Na verdade, a regra do in dubio pro reo só tem razão de ser à luz do princípio da presunção de inocência, pois o Juiz, perante a dúvida inultrapassável, deve decidir a favor do arguido.
Outra das garantias constitucionais que, alegadamente, o crime de enriquecimento ilícito violaria é a proibição de auto - incriminação relativamente ao suspeito ou arguido. A consagração do princípio surge apenas expressa no CPP, na vertente do direito ao silêncio (arts.º 61, nº. 1, alínea d), 132º, nº. 2, 141º, nº. 4, alínea a) e 343º, nº. 1)).
 
Não obstante todas estas considerações de natureza jurídica valeria a pena insistir no assunto, mas desenhando um quadro jurídico conforme a Constituição e o respeito por todos estes princípios estruturantes do processo penal.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

A SEPARAÇÃO DE PODERES NA UNIÃO EUROPEIA E A PROTEÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO TRATADO DE LISBOA.



 
A separação de poderes e o controlo jurisdicional efetivo dos atos do poder público são dois importantes postulados da União de Direito. Após o Tratado de Lisboa, pela primeira vez na história da integração europeia, as funções de cada um dos órgãos da União são qualificadas segundo uma terminologia constitucional e foram definidas as formas do seu exercício.

Assim, o Parlamento Europeu e o Conselho exercem funções legislativas e orçamentais relevantes, sendo que o Parlamento exerce funções de controlo político e funções consultivas como determina o artigo 14.º/1 do Tratado da União Europeia. Já o Conselho exerce, em conjunto com o Parlamento, funções legislativas e orçamentais, mas também funções de definição de políticas, nos termos do artigo 16.º do Tratado da União Europeia. O Conselho é o órgão representante dos Estados-Membros.
Por seu turno o Conselho Europeu foge a esta repartição de poderes, não exercendo qualquer competência legislativa, como previsto no artigo 15.º/1 do TUE.

Claramente o Tratado da UE procurou um jogo de equilíbrios inexistente antes entre as várias Instituições da União Europeia.
Do ponto de vista das Instituições jurisdicionais, o Tratado de Lisboa estendeu a jurisdição do Tribunal de Justiça a áreas que dela têm estado excluídas, alargando as possibilidades de acesso dos cidadãos aos Tribunais da União Europeia, conferindo legitimidade ativa em sede de recurso de anulação a pessoas coletivas e singulares contra atos de que sejam destinatários ou que lhes digam diretamente respeito, bem como contra atos regulamentares, conforme artigo 263.º/4 do Tratado de Funcionamento da União Europeia.

Por outro lado, uma das alterações do Tratado de Lisboa foi o reconhecimento dos direitos, liberdades e princípios contidos na Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia que tem um valor jurídico idêntico aos dos Tratados [artigo 6.º/1 do TUE]. Portanto, a União passou a dispor de um catálogo de direitos fundamentais, o qual pode ser invocado nos Tribunais da União Europeia e nos Tribunais nacionais, conforme artigo 51.º/1 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Relembramos que a proteção dos Direitos Fundamentais está sujeito ao princípio da universalidade, assim como recordamos que até ao Tratado de Lisboa o estatuto jurídico da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia remetia-a à condição de soft law. Isto sem prejuízo da concessão de um estatuto especial à Polónia, República Checa e ao Reino Unido relativamente à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, constando essas especificidades de um protocolo, o que não deixa de ser surpreendente!

Finalmente, recordamos que o Tratado de Lisboa veio permitir a adesão da União Europeia à Convenção Europeia dos Direitos do Homem. É que antes do Tratado de Lisboa apenas se previa a possibilidade de adesão à Convenção Europeia dos Direitos do Homem de Estados, pelo que apenas com a assinatura do protocolo 14 foi possível alterar o artigo 59.º da Convenção, tornando possível a adesão da própria União Europeia, tendo esta adesão entrado em vigor apenas em 1 de junho de 2010.
 
Depois destes assinaláveis progressos políticos e democráticos da União Europeia, entendem-se com grande dificuldade os posicionamentos da União face à forma de acolhimento que tem vindo a ser adotada dos refugiados Sírios, como mal se compreendem as medidas regressivas que vão sendo tomadas [incluindo a possibilidade de admitida por muitos países de rever Schengen] ao arrepio de todos os principais avanços dados pelos Estados e refletidos no Tratado de Lisboa.
A União é dos cidadãos. Mas esta afirmação apenas é verdadeira se e quando os cidadãos se preocuparem!

sábado, 6 de fevereiro de 2016

20 ANOS DEPOIS. COIMBRA.

https://www.youtube.com/watch?v=dcFAcjXZKWY&list=RDdcFAcjXZKWY#t=6


FAZ ESTA QUEIMA DAS FITAS DE 2016, EM MAIO PRÓXIMO, 20 ANOS QUE ACABEI O CURSO EM COIMBRA.
 
QUE SAUDADE, NO MOMENTO DA PARTIDA!
 
SÓ QUEM "VIVEU" COIMBRA TERÁ A CAPACIDADE DE ENTENDER ESTE PROFUNDO SENTIMENTO DE SAUDADE DE UM TEMPO QUE NÃO VOLTA MAS QUE LEVEI COMIGO PARA A VIDA!

QUANDO A GESTÃO PROCESSUAL É TAMBÉM A GESTÃO DO CAOS! A RELEVÂNCIA DA ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA.



À saída do CEJ  ignorava como seria possível responder ao volume de processos que os juízes tinham para despachar diariamente,  além do serviço dos julgamentos e audiências prévias. Fazendo as contas ao tempo de um dia nada batia certo!
Essa realidade introduziu-me no tema da importância dos tempos e da gestão do processo, por um lado, e, por outro, na importância da reforma da organização judicial.

 No âmbito da gestão processual, o “ataque” ao grande volume de serviço é, a par da decisão, um “ataque” individual e muito solitário. A secretaria apresenta uma grande quantidade de processos sem outro critério que não seja o do escrivão e o da conveniência da sua equipa (os “prazos são muitas vezes “tirados” sem atenção aos prazos legais, mas às possibilidades da secretaria, e vão ao juiz muitas vezes em enormes quantidades, de uma só vez e descompassadamente) e sem qualquer triagem racional e combinada com o juiz. Em bom rigor, a secretaria faz tanta gestão processual como o juiz (a menos que o juiz decida assumir essa tarefa [e deve fazê-lo] ditando as regras pelas quais a secretaria se terá de reger na conclusão prioritária de processos).
 
 Ouvi muitos colegas mais velhos aconselharem-me a reagir caso a secretaria colocasse a despacho cem processos num só dia, referindo que, nestes casos, cem processos tinham de ser devolvidos de imediato para cumprimento de despachos nesse mesmo dia, pois, desse modo, a secretaria seria "domesticada". Essa energia de “combate” induzia coisas estranhas na (in)disciplina do processo. Uma delas era (muitas vezes) a rendição de uma das partes: ou era o juiz a parar a “cadeia de produção” ou era a secretaria a fazê-lo. Em qualquer dos casos por incapacidade de resposta. Quem perde? O cidadão. A gestão processual deve assentar em regras bem definidas pelo juiz e comunicadas à secretaria, por um lado, e assentes, ainda, na ideia de que ninguém consegue fazer tudo, bem, e ao mesmo tempo.

 Que fazer?
 
 A abordagem à organização das tarefas processuais deve impor-nos uma forte perspetiva crítica da organização judiciária que as enquadra. No caso da gestão processual, sendo esta uma atividade vocacionada para a eficiência (decidir no prazo razoável, com menos custos, com melhor cooperação e comunicação das decisões judiciais), ela não pode ser prosseguida em função de sérios objetivos mensuráveis e avaliáveis se não for estimulada pela organização judiciária. Cargas de serviço adequadas, ferramentas de reengenharia da distribuição processual (caseflow management), ferramentas tecnológicas, espaços para diligências, comunicações e secretariados eficientes, bons métodos de trabalho, correta política de reconhecimento do mérito, espaços para comparação de práticas e resultados, por exemplo, são passos relevantíssimos para uma boa cultura de gestão processual, mas esta atividade depende da política geral de organização judiciária.

O modelo de administração judiciária do nosso país sedimentou há alguns anos, assente na separação de poderes dos tribunais, tornou-se claro que o poder judicial não é eficientemente governado se a sua administração e gestão não for significativamente transferida para os próprios juízes e para o seu órgão de governo, os respetivos Conselhos Superiores.
Os tribunais são organizações complexas, integradas por várias estruturas profissionais públicas: os magistrados, os oficiais de justiça, outros trabalhadores com contrato de trabalho em funções públicas. Este facto dificulta, em parte, a administração judicial, sobretudo porque estas várias estruturas profissionais reportam a distintas organizações, como é o caso dos Conselhos Superiores, no caso das magistraturas, e do Ministério da Justiça nos demais casos. Temos, por isso, sobreposição e alguns conflitos de competências que resultam, nalguns casos, em decisões administrativas que não estão alinhadas com as necessidades de eficiência e eficácia do judiciário, pelo que a desregulação na racionalização da atribuição dos meios humanos, a sua disciplina e a inexistência de articulação entre o Ministério da Justiça e os Conselhos Superiores em matéria de satisfação de necessidades logísticas, tecnológicas, materiais e de recursos humanos , dificultam e tão pretendida gestão eficiente do judiciário.

O modelo de administração judiciária deverá deslocar assim, e na minha opinião, muitas das tarefas hoje assumidas pelo executivo para o judiciário, culminando na separação da administração dos tribunais do Governo. O Ministério da Justiça, na relação com os tribunais, seria claramente o responsável pelo planeamento e definição das políticas públicas, bem como pela necessária concretização legislativa, incluindo a respeitante à criação e extinção de tribunais. Essa é, verdadeiramente, a sua função, que é política e de defesa e escolha do interesse público na escolha dessas políticas públicas.
 
Obviamente que neste modelo, importará dedicar especiais cuidados  com a garantia da sua independência, impondo, por exemplo, que a negociação do Orçamento do judiciário pelos respetivos Conselhos Superiores devesse ser concretizado em moldes semelhantes à aprovação do Orçamento da Presidência da República. Relembramos que o Orçamento da Presidência da República é aprovado pelo Conselho Administrativo e enviado ao Governo para efeitos de inscrição das respetivas dotações na proposta de Orçamento do Estado a submeter à Assembleia da República (artigo 17º da Lei 7/96, de 29 de Fevereiro).
 
Com a nova Lei de Organização dos Tribunais Judiciais alguns passos foram dados neste sentido, ainda que, quanto a mim, tenha ficado àquem do desejado. Dotou-se o CSM de autonomia administrativa e financeira, mas só isso, faltando ainda o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O novo modelo de gestão dos Tribunais Judiciais assentou em três órgãos: (1) o presidente do tribunal, com funções de representação, direção, gestão processual, administrativa e funcional das unidades orgânicas, escolhido e nomeado pelo CSM; (2) o administrador do tribunal, com funções de gestão hoje concentradas na Direção-Geral da Administração da Justiça e no Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, escolhido pelo presidente do tribunal; (3) o Conselho de Comarca, com funções de participação, consulta e apoio ao presidente e ao administrador.

No caso dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o novo ETAF procedeu à sua adaptação à nova LOFTJ, criando: (1) o presidente do tribunal, com funções de representação, direção, gestão processual, administrativa e funcional sobre as unidades orgânicas, escolhido e nomeado pelo CSTAF, sendo desnecessário, face ao nº tribunais existentes e ao facto de se tratarem exclusivamente de Tribunais de Circulo, proceder a mais adaptações.
 
É incompreensível, neste contexto, que a avaliação do juiz presidente pelo respetivo Conselho Superior, na NLOFTJ, seja feita por uma avaliação/auditoria externa (art. 87.º, n.º 1 LOFTJ). O sentido da alteração parece ir no sentido de colocar a avaliação do Presidente dos Tribunais de 1.ª instância a entidade diferente do órgão máximo de disciplina e gestão dos magistrados, o que não deixa de ser estranho, incoerente e atentatória da imprescindível independência. É, de resto, impensável que o EMJ, no quadro da Constituição, preveja a competência do CSM para avaliar os tribunais como organização horizontal (art. 149.º, al. a), e 161.º do EMJ) e agora se permita que uma entidade contratada pelo Ministério da Justiça avalie um juiz presidente.
 
Interessante é a questão das atribuições e competências para fixar os indicadores do volume processual adequado para cada juiz e unidade orgânica (contingentação), essenciais para a gestão do tribunal, definição de objetivos, avaliação e racionalização do serviço e dos meios. Esta atribuição e competência está prevista para o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - alínea m), n.º 2 do artigo 74.º novo ETAF - que apenas fará sentido quando os Tribunais tiverem um n.º suficiente de magistrados que permita que esta contingentação tenha utilidade prática, já que de pouco servirá determinar-se que desejavelmente um juiz das secções de administrativo não deva ter, na primeira instância, mais de 200 processos a cargo e que um juiz das secções de tributário não deva ter, desejavelmente, mais de 350 processos a cargo se a vida real impõe que os juízes das secções de administrativo, em muitos tribunais, tenham 300 e 400 processos pendentes a cargo e um juiz das secções de tributário tenha distribuídos 700 a 1000 processos pendentes a cargo!

A sua utilidade apenas servirá para se perceber o limite em que os juízes se encontram a trabalhar!
 
Em todo o caso, como juiz, vejo como o início de uma boa oportunidade estas novas competências dos respetivos Conselhos Superiores, mas julgo também ser essencial fazer-se uma reflexão séria sobre algumas incongruências existentes para podermos contribuir para a sua melhoria.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

SER JUIZ HOJE!


Frequentemente se diz que um Juiz quer-se inteligente, experiente ao nível das suas vivências, tecnicamente bem preparado. Perspicaz na apreciação da prova. Expedito e decidido. Eficiente, numa palavra.
Impõe-se contudo realçar, eu diria até relembrar o óbvio, que um juiz não é um político, não tendo uma qualquer agenda política a cumprir, ou a impor. Também não é um diplomata, no sentido de procurar a aprovação de todos. Ou, sequer, na perspetiva de agradar a alguém. Em rigor, não tem nem o deve fazer, fora do quadro dos poderes de mediação e conciliação que a lei lhe faculta ou exige. A sua função é apenas julgar e decidir.
 
Uma sentença judicial destina-se a dirimir conflitos entre pessoas (particulares e/ou coletivas) não podendo, em consequência, satisfazer a todos. Tem de absolver-se ou condenar-se alguém, para desagrado de uma das partes.
Se quiséssemos definir, com dois ou três conceitos, a essência da postura pessoal e profissional de alguém que exerce a judicatura, teríamos de chamar, necessariamente, à colação três características pessoais e profissionais: honestidade, humildade e humanidade, ou seja, uma vida honrada e séria,  pautada por critérios de imparcialidade, e um cavado sentido de autocrítica para reconhecer os seus erros e deficiências que todos os profissionais cometem, sobretudo no início de carreira. Finalmente, uma entranhada sensibilidade pessoal e social relativamente a cada uma das situações que é chamado a decidir. Porque muitos dos casos judiciais são, também e acima de tudo, casos humanos. Com firme autoridade mas sem autismos. Nem espúrios autoritarismos.
 
Ora, com a mediatização do judiciário, espaço no qual a justiça nunca aprendeu a mover-se, esta realidade de termos sempre, em cada caso, uma das partes descontentes transportou para a arena noticiosa a versão parcelar e, naturalmente, crítica de quem ficou descontente.
Mas a justiça, pelas características que assume e, acrescento, deve preservar, nunca soube, e ainda não sabe, ali movimentar-se.
 
Em todo o caso, diria, sem perder o essencial da discussão, talvez fosse tempo de as instâncias judiciais, pelo menos nas situações relativas aos casos mais mediáticos, começar a refletir na necessidade de se adaptar a estes tempos mais exigentes, na medida em que não é despicienda a perceção dos cidadãos sobre a justiça do seu país no âmbito da confiança que nela devem ter, já que ela constitui, sem qualquer margem para interrogações, um dos mais relevantes pilares de uma Democracia forte e vigorosa.
Não vale a pena assobiar e fingir que a sociedade não mudou. Mudou. E muito. E o jogo das perceções é decisivo na confiança que depositam nas principais instituições democráticas de um país!
 
Naturalmente que o sentido de justiça, o bom senso e o espírito de equidade não podem estar ausentes das decisões judiciais. Bem como a compreensão dos dramas, somente pressentidos ou adivinhados. A tolerância para o erro alheio.
 
Uma curta mas sugestiva viagem no tempo faz-nos deparar, por exemplo, na jurisdição administrativa e fiscal com cerca de 130 juízes em 2004 e com cerca de 153 juízes na primeira instância em 2016 (entre efetivos e auxiliares). Em 2016, a segunda instância, entre juízes desembargadores efetivos e auxiliares contam-se no total com 42 juízes. E no Supremo Tribunal Administrativo contam-se com 22 Juízes Conselheiros (entre efetivos e auxiliares).
Isto numa jurisdição cada vez mais crescente, tanto nas secções administrativas como nas tributárias.
Aliás, considerando o posicionamento do Estado para com os cidadãos nos dias de hoje, é absolutamente natural que os litígios resultantes da atuação das várias "administrações públicas" (de natureza administrativa ou tributária)  - administração agressiva - causem cada vez mais reação por parte dos destinatários das suas decisões, que, de resto, estão, hoje, muito mais esclarecidos dos seus direitos, sejam cidadãos particulares, trabalhadores com vínculo laboral público ou pessoas coletivas de natureza comercial ou associativa.
Significa isto que os litígios emergentes das relações jurídico administrativas e fiscais tenderão a crescer ainda mais e a exigir mais, muito mais, à jurisdição administrativa e fiscal.

Não olhar para esta realidade é um erro. Importa olhar para ela com preocupação, mas, também, com vontade de contribuir para que ela supere essas mesmas dificuldades e obstáculos, colaborando, em parceria, com o poder executivo na sua resolução. Deixar passar a ideia de que a jurisdição administrativa e fiscal não é capaz de responder, num prazo razoável, às solicitações dos cidadãos é injusto e corresponde ao apagamento da verdade. E a verdade é que ao mesmo tempo que o Estado foi dando mais competências aos tribunais administrativos e fiscais (seja aos tribunais administrativas, seja aos tribunais tributários) sem lhes conferir os meios humanos e materiais essenciais para lhes dar resposta, foi-se deixando passar a ideia errada de que  problema só poderia ser da jurisdição. "Sound Bite" que tem tanto de errado como de injusto para com tantos juízes que aqui trabalham, e muito, e para com os funcionários judiciais que trabalham muito além das horas a que estão obrigados sem receber qualquer compensação financeira por isso. Sou disso testemunha.
 
Depois, as reformas dos códigos de processo, seja o processo civil, também aplicável, seja o processo administrativo (o processo tributário mantém-se, por ora, o mesmo) foram no sentido de abrir mais a porta para a plena tutela jurisdicional efetiva.
 
Por outro lado, a obrigatória gravação da prova, com a possibilidade da sua reapreciação pelos tribunais da 2.ª instância, a exigência de uma acrescida fundamentação acerca da apreciação daquela e os vulgarmente denominados “megaprocessos” e "processos dos milhões", que há 15, 20 anos seriam uma anomalia episódica do sistema mas que agora tendem a proliferar e a disseminar-se, absorvendo, como buracos negros, recursos materiais e humanos e muito espaço e tempo das vidas de todos os envolvidos, constituem, entre outros exemplos, novas realidades e desafios para os juízes, para os quais o poder executivo deve igualmente olhar, como responsável por assegurar um sistema de justiça adaptado aos novos tempos e capaz de lhes dar respostas eficazes.
 
Os juízes, porque aí têm a última palavra, que é decisória e definitiva, constituem o rosto mais visível deste mundo complexo, muito técnico e, para muitos, enigmático, que é o da justiça e dos tribunais. Mas nenhum juiz é uma ilha, cercada de cidadãos. Partilha antes, ombro a ombro com a comunidade onde se encontra inserido, o sentir e devir coletivos.
Um juiz é, na verdade, um cidadão entre os demais, com a específica função exigente de julgar, em nome de todos e para todos.
Ser juiz hoje é uma realidade muito distinta da, provável, ideia que povoou o imaginário coletivo durante anos e, julgo, ainda povoa.
 
 
 

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

O CONSELHO SUPERIOR DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS DOS DIAS DE HOJE.


A independência dos tribunais - ou do poder judicial - é proclamada na Constituição da República Portuguesa - artigo 203º - nos seguintes termos: "Os tribunais são independentes e apenas sujeitos à lei". Isto quer dizer que os tribunais, como Órgãos de Soberania incumbidos de administrar a justiça em nome do povo, são independentes dos outros Órgãos de Soberania, em nome do princípio de separação dos poderes.

Com a Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, a expressão "auto governo da magistratura judicial" deixou de existir, tendo sido eliminada do art. 3º n.º 2 cuja redação dispõe: "A independência dos tribunais judiciais é garantida pela existência de um órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial...".
 
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é o órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal em Portugal.
 
Muitas vezes visto apenas como o órgão disciplinar e de avaliação do mérito dos juízes, numa perspetiva simplista e minimalista que não enobrece, de resto, nenhuma jurisdição, é, na verdade, sobretudo nos tempos que correm, muito mais que isso.

Hoje a realidade judiciária é muito mais exigente que há 10, 20 e 30 anos atrás. Quem hoje recorre aos Tribunais está, também hoje, muito mais esclarecido e é mais exigente que os seus utilizadores de outrora.

A comunicação social voraz transforma o espaço da justiça num palco mediático que definitivamente não é o seu, sem, todavia, o poder ignorar!

Quem perspetiva o CSTAF, nos dias de hoje, como apenas o órgão de disciplina e avaliação do mérito dos juízes não conseguiu ver o verdadeiro recorte histórico do momento.
O fenómeno de crescimento exponencial da demanda judiciária impõe o uso de regras próprias do "management" e elas pressupõem a definição de metas a alcançar. O desafio que se coloca está em resolver a questão da introdução de mecanismos de planeamento e definição de metas sem afetar a independência dos juízes. E não vale a pena continuar a negar uma realidade que já entrou pela porta do judiciário, por muito que muitos a queiram fazer sair pela janela!

Basta apreciar os últimos programas eleitorais dos principais partidos políticos que têm sido governo no nosso país desde o 25 de abril para se perceber que essa realidade já entrou no judiciário sem qualquer pré-preparação e, sobretudo, sem se compreender que esta revolução implica, todavia, uma mudança estrutural no funcionamento dos Tribunais e na utilização de um conjunto conjugado de instrumentos associados à “accountability” e ao "management" como é o caso do impulso real da meritocracia e da justa compensação pelo trabalho.

O princípio da separação dos poderes impõe, na administração dos tribunais, portanto, um duplo condicionamento: o da ausência de hierarquias entre juízes e, a montante, a necessidade que o gestor do tribunal seja um juiz, o único com legitimação como líder, agindo embora “inter-pares”.

Uma reforma gestionária feita sem os juízes tem uma cumplicidade natural com o acrescer de dificuldades como se demonstrou na década de 90 do século anterior nos Estados Unidos, na justiça cível, com o “justice reform act".

Esta reconciliação entre a necessidade de “accountability” dos tribunais e a independência dos juízes só poderá ocorrer conferindo uma maior autonomia destes em relação ao poder executivo. Será, portanto, indispensável a outorga aos tribunais e ao CSTAF de  uma acrescida autonomia de modo a permitir que a jurisdição se possa adaptar a uma realidade social cada vez mais dinâmica, mas é absolutamente essencial que todos os magistrados deixem de olhar para o seu Conselho Superior como um mero órgão de disciplina e avaliação do mérito.

A título meramente exemplificativo, o CSTAF  pode ter uma atuação mais incisiva e pro-ativa no âmbito da apresentação ao Ministro da Justiça de propostas legislativas com vista ao aperfeiçoamento e eficiência da jurisdição administrativa e fiscal [cfr alínea j) do n.º 2 do artigo 74.º do novo ETAF]. Aliás, num dos artigos que aqui já publiquei, deixei, de resto, uma simples sugestão que não importa qualquer custo acrescido para o Estado: por força do disposto no artigo 56.º A do novo ETAF, está dependente de uma simples portaria a possibilidade de se poderem recrutar assessores para os Tribunais Administrativos e Fiscais e isso poder-se-á concretizar sem custos, bastando que a referida portaria preveja um recrutamento e que este se concretize de entre trabalhadores já titulares de uma relação de emprego público previamente constituída, mediante um procedimento concursal comum para recrutar juristas, economistas e contabilistas, em regime de comissão de serviço, por exemplo em períodos de 5 anos, limitadas a "x" renovações, sendo motivação bastante criar, por exemplo, um regime especial de acesso ao CEJ para estes assessores juristas.  

Por outro lado, para podermos introduzir a ideia de “accountability” e para que ela efetivamente funcione nos Tribunais há alguns fatores-chave decisivos:
  1. A fixação do VPR [valor processual de referência] tem de ser determinado por critérios de razoabilidade. Não há nada pior para a imagem e prestígio de uma jurisdição do que a pressa em julgar, na ansia de resolver e minimizar os impactos de problemas que compete a outros resolver [poder legislativo e poder executivo];
  2. A criação de regras legislativas sem qualquer aderência à realidade causam nos cidadãos e no judiciário a sensação "ET", ou seja, a sensação de que há algo que não cola à realidade e que se legisla para o "Maravilhoso Mundo da Alice no País das Maravilhas". É disso exemplo o disposto na alínea m) do n.º 2 do artigo 74.º do novo ETAF, onde se pode ler que compete ao CSTAF :
    "... Fixar anualmente, com o apoio do departamento do Ministério da Justiça com competência no domínio da auditoria e modernização, o número máximo de processos a distribuir a cada magistrado e o prazo máximo admissível para os respetivos atos processuais cujo prazo não esteja estabelecido na lei...".
  3. A criação de efetivas condições para que o mérito seja  reconhecido e no tempo certo;
  4. Não é possível continuar-se a exigir às várias instâncias produções "Extra Large", mantendo a qualidade dos ilustres magistrados do passado, com a pequenina diferença do acervo e pendência processuais ter quintuplicado e proporcionalmente tendo a jurisdição vindo a perder meios, mas ao mesmo tempo não se dotar o CSTAF de meios financeiros para se criar um efetivo corpo de inspetores em número suficiente ao crescimento da jurisdição, permitindo que os magistrados sintam o seu trabalho e esforço devidamente avaliado e reconhecido, sendo o caso, nem se conceder ao CSTAF meios financeiros para recrutar mais juízes, permitindo a constituição de uma bolsa de juízes prevista desde o ETAF de 2004, ou seja, há 12 anos, mas sem qualquer concretização!

Em suma, o próximo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais tem nas mãos um desafio hercúleo: saber estar à altura dos novos tempos e dos novos desafios e exigências, prestigiando a jurisdição e conseguindo alcançar mais meios e melhores condições para que os juízes consigam fazer o seu trabalho, motivados, fazendo parte da solução, satisfazendo a justiça e, por essa via, o cidadão que é, definitivamente, o nosso foco essencial.

Contudo, importa não esquecer que ser juiz é uma profissão como qualquer outra. Não somos missionários, como não são os médicos, os engenheiros, os economistas, os advogados, os professores, os empresários, os arquitetos, os gestores públicos, os membros das entidades reguladoras, os trabalhadores e dirigentes do banco de Portugal e todos os demais profissionais.

 
 


quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

OS PROBLEMAS DA JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL QUE OS CIDADÃOS NÃO VÊEM!

 
 
Falar de justiça está na moda. É positivo. Realidade que não suscita opiniões e controvérsia é realidade que não toca os cidadãos e, por isso, não existe. Todavia, a justiça e o sistema de justiça de um país constituem alguns dos mais relevantes pilares de uma sociedade democrática, justa, igualitária e livre, razão pela qual falar de justiça é muito positivo, mas mais importante ainda é falarmos dela com conhecimento da sua realidade concreta, sem receio de apontarmos o dedo seja a quem for e seja ao que for. Só assim as opiniões sobre ela e os caminhos que muitos gostam de lhe apontar poderão fazer caminho com realismo.
 
De resto, falar de sopro e ao sabor do vento que passa não contribuirá, estou certa, para resolver qualquer dos seus mais concretos problemas e dificuldades.
A jurisdição administrativa tem, em Portugal, como na generalidade dos países europeus, uma longa tradição, tendo o seu nascimento ocorrido algures no início do século XIX, mas, apesar disso, o legislador português nunca lhe prestou a mesma atenção que prestou à jurisdição comum [dos tribunais comuns], não obstante lhe atribuir cada vez mais competências, desde que os litígios resultem de relações administrativas e fiscais.

Aos olhos dos cidadãos o que aparece? Aos olhos do cidadãos comum, o que a sua vista alcança são efetivamente processos a aguardar decisões de 1.ª instância há 4, 5 e mais anos; processos em recurso a aguardar decisão de recurso há 4, 5, 6 e mais anos. Pelo que é absolutamente natural que para estes cidadãos [que são a larga maioria] a conclusão óbvia a tirar é a de que a justiça em geral não funciona, e a jurisdição administrativa e fiscal em concreto ainda funciona pior. É perfeitamente natural que este seja o raciocínio de qualquer utilizador do sistema de justiça em Portugal.
 
Convido-vos, porém, a virem comigo fazer uma pequena viagem ao mundo da jurisdição administrativa e fiscal. Talvez no final possam ter uma opinião diferente.
 
Com a reforma do contencioso administrativo de 2004, Portugal deu um grande passo rumo à ampliação do exercício dos seus direitos relativamente a atuações dos órgãos do Estado e à tutela jurisdicional efetiva inexistente à época da antiga LPTA [Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (DL n.º 267/85, de 16 de Julho)], mas com essa grande reforma legislativa não se pensou em dotar os Tribunais de meios humanos e materiais necessários para a acompanhar. Esta revolução, aliás, trouxe um evidente incremento do recurso à jurisdição administrativa e fiscal por parte dos cidadãos, sem, todavia, deste lado, a máquina judicial estar preparada para tanta utilização.
Digamos que são reformas feitas "à moda de Portugal", ou seja, tudo apenas no papel, depois de discussão parlamentar!
 
Para que todos possam ter a verdadeira dimensão do problema, desde 2004 até hoje, 2016, em 11 anos, foram recrutados, em média, cerca de 100 magistrados para a jurisdição comum anualmente [o que totaliza um recrutamento de cerca de 1100 magistrados que foram fazendo face às jubilações e reformas anuais], mas do lado da jurisdição administrativa e fiscal foram recrutados em 2004, 90 magistrados, depois apenas em 2008 foram recrutados mais 25, em 2009 outros 25, em 2010, 45, e em 2014 outros 45, sendo que estes últimos se encontram, ainda, em fase de formação, ou seja, não estão, ainda, a produzir nos Tribunais [num total de 230, dos quais 45 estão, ainda, em fase de formação], sendo certo que, também aqui, se foram jubilando e reformando magistrados ao mesmo tempo que cada vez mais a jurisdição administrativa e fiscal recebe competências para dirimir litígios, por um lado, e, por outro, cada vez mais os cidadãos e as empresas reagem contra o Estado, recorrendo, naturalmente, aos Tribunais.
 
Acresce relembrar que o antigo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro] previu nos seus artigos 56.º e 56.º-A a possibilidade de existir um Gabinete de Apoio aos Tribunais Administrativos de Circulo e Tribunais Tributários, contudo a criação deste gabinete de apoio em cada tribunal da jurisdição administrativa e fiscal seria efetuada por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da justiça e, como é natural neste país, quando se pretende fingir que se resolveu um problema, mas no fundo não se quer verdadeiramente resolve-lo, remete-se tudo para posterior Portaria!
 
Resultado: desde 2004 nunca saiu a referida Portaria.
 
O novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais [aprovado pelo Decreto-Lei 214-G/2015, de 2 de outubro] também prevê, no n.º 4 do seu artigo 56.º, que "... Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal dispõem de assessores que coadjuvam os magistrados judiciais...", determinando-se, também, no seu artigo 56.º A que "... A criação do gabinete de apoio em cada tribunal da jurisdição administrativa e fiscal é efetuada por portaria conjunta dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da Administração Pública e da justiça, que fixa igualmente o número de especialistas com formação científica e experiência profissional adequada que constitui o gabinete...", sendo o seu recrutamento feito pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais em Comissão de Serviço.
 
Ou seja: mais do mesmo, estimando que tudo se mantenha como antes!
 
Sem juízes, sem funcionários judiciais e sem assessores não há, nem pode haver, milagres!
Contudo, como sou uma pessoa de esperança, quero acreditar que finalmente se vai olhar para a realidade concreta e procurar resolver as dificuldades e constrangimentos humanos e materiais existentes [a resolução de muitos deles pode até nem ter custos financeiros, se se apelar à criatividade, bastando, a título de exemplo, que se lance um procedimento concursal comum para recrutar juristas, economistas e contabilistas já com vinculo laboral público, em regime de comissão de serviço, por exemplo em períodos de 5 anos, limitadas a "x" renovações, sendo motivação bastante criar, por exemplo, um regime especial de acesso ao CEJ para estes assessores juristas] e deixar a proliferação legislativa, tão própria de quem sabe que, a seguir, não vai ter de FAZER !