sábado, 14 de outubro de 2017

O SISTEMA GLOBAL DE CONTRA PODERES: A POSIÇÃO DOS E.U.A E DA EUROPA



PORQUE RAZÃO O SISTEMA DE CONTRA PODERES É COMPLEXO...

No atual sistema internacional, a parte mais visível dos poderes mundiais e sistemas de contra poderes, no que se refere às relações estratégicas e aos processos de modernização, é a que se situa no Norte, o sistema de relações que se estabelece entre os Estados Unidos, a Europa e a Ásia: é aqui que se localizam as entidades com maior grau de autonomia relativa. Pelo contrário, a parte que se situa no Sul tem a sua visibilidade associada ao bloqueamento do desenvolvimento e aos surtos de antagonismo conflitual que conduzem a sucessivos episódios de conflitos armados, muitos deles mantendo-se latentes por períodos longos. No subsistema do Norte, os três poderes centrais são os Estados Unidos da América, a Europa e a Ásia Oriental. Logo a este nível primário das designações há diferenças relevantes entre estes três poderes: o primeiro tem uma unidade de direção estratégica que os outros ainda não têm.
A hegemonia dos Estados Unidos é uma relação de dominação especial, diferente das várias hegemonias que tiveram a Europa no centro. Estas eram relações de dominação que se exerciam impondo restrições ao desenvolvimento natural das regiões dominadas, o domínio dos Estados Unidos, pelo oposto, sempre foi apenas eficaz desde que as outras regiões mantivessem índices de desenvolvimento elevados, sobretudo no que diz respeito aos países do designado subsistema Norte.
Para os Estados Unidos, a sua estratégia global de exercício da hegemonia não pode ser desligada da sua capacidade para regular os equilíbrios regionais, pois só assim podem continuar a realizar o seu objetivo de selecionar os seus envolvimentos diretos em contextos de conflitualidade sempre em função das vantagens competitivas obtidas – porque só assim a sua estratégia global pode evitar o comprometimento excessivo de recursos próprios, entrando na espiral descendente dos poderes imperiais. Essa estratégia global é desenvolvida dentro de uma específica leitura do que são as linhas de possibilidade que estão abertas aos outros dois elementos do subsistema Norte.

Em relação à Europa, o apoio à sua construção institucional na União Europeia é acompanhado pela identificação de uma crise interna do modelo social europeu, o que terá implicações na alimentação de uma crise competitiva das economias europeias. Neste sentido da previsão de dificuldades europeias, a crise da integração da Rússia no espaço de influência europeu é um fator adicional que oferece aos Estados Unidos uma presença continuada nos assuntos europeus.

Em relação à Ásia Oriental, a perspetiva dos Estados Unidos é idêntica à que estabelece para a Europa: apoio à evolução no sentido da construção institucional na região (menos desenvolvida do que na Europa), mas também a identificação de uma crise do modelo competitivo asiático (confirmada com a crise económica despoletada em 1997) e, em especial, da crise do modelo social japonês, que tem conduzido ao bloqueamento do seu papel como elemento motor de toda a região (uma crise do modelo social do tipo da que é previsível para a Europa). Já no horizonte imediato, a dificuldade de integração da China no modelo de desenvolvimento asiático é um fator regional de instabilidade, mas também é um pretexto forte para a presença continuada dos Estados Unidos nos assuntos internos da região.
No caso da Europa, o processo de constituição institucional é a condição da afirmação da sua relevância: a Europa precisa de uma configuração política própria para ter condições de ação estratégica no atual sistema de relações internacionais – designadamente, uma política externa e de defesa comum, mas também um centro institucional com capacidade para formular e executar decisões estratégicas. Este é um passo necessário para a adaptação a um novo campo estratégico de relações competitivas, que permita fazer a transição dos tempos em que a hegemonia mundial estava centrada na Europa para os tempos em que a Europa é apenas um dos elementos do subsistema dominante do sistema de relações internacionais. Mas não está garantido que a institucionalização de um novo centro de poder na região europeia seja suficiente, ou aconteça em tempo útil, para permitir conduzir a reformulação do modelo social europeu para recuperação de condições competitivas. Este é o desafio interno que as sociedades europeias têm de enfrentar, em condições demográficas desfavoráveis, para não ficarem excluídas em relação aos processos competitivos.

Para os asiáticos, a estabilidade dos mercados europeus e a liberdade de circulação comercial, na expectativa de continuarem a revelar superioridade competitiva em relação às empresas europeias, são necessárias para o escoamento dos seus produtos, sobretudo agora que a possibilidade de consumo endógeno está prejudicada pela persistente crise do Japão e pela mais recente crise asiática. E a cooperação bilateral com os europeus para criar dificuldades aos Estados Unidos é uma opção que quererão manter aberta. Mas é com os Estados Unidos que se estabelece a relação principal, até porque a segurança da região continuará a precisar da participação das forças e das estratégias norte-americanas, assim como a estabilidade dos mercados americanos aparece como uma condição essencial para a possibilidade de recuperação das economias asiáticas.
Na posição oposta à dos Estados Unidos está África, que pode ter relações com todos os outros elementos do sistema de relações internacionais, mas sempre em posição de subordinação. A Índia e o Brasil são poderes subcontinentais, mas com uma dimensão suficiente para criarem problemas de incorporação, na região em que se inserem e no sistema no seu conjunto. A região islâmica constitui o exemplo da rejeição de incorporação, em relação aos Estados Unidos e aos valores ocidentais da modernização, mas não deixa de ter um projeto de integração, por unificação da sua área de influência e por articulação com regiões africanas instabilizadas que procura integrar através da difusão dos seus valores religiosos, ainda que impostos por via militar.
O grau de instabilidade de todo este sistema global é muito elevado, as zonas de fratura são numerosas e os pretextos de conflitualidade são variados.
O mundo está cada vez mais incerto. 
Neste contexto, é certo que os E.U.A. assume um poder hegemónico, o único que tem a capacidade de condicionar todos os outros, não só pela sua maior potência militar, mas também porque pode condicionar as estratégias de integração e de incorporação.
Mas não é menos certo que as vantagens da multipolaridade ficam aqui bem identificadas: é do interesse de todas as partes que se consolidem os poderes regionais como condição de regulação parcial, como condição de estabilidade ou, pelo menos, como condição de delimitação dos pretextos de conflitualidade. E a indicação mais forte deste modelo está na identificação da condição de equilíbrio por redução das diferenças: é do interesse dos mais poderosos promoverem a difusão do poder e é do interesse dos mais desenvolvidos promoverem a difusão do crescimento, sem o que não será sustentável a integração e a incorporação – isto é, o alargamento das bases de estabilidade e o alargamento dos mercados globalizados.