domingo, 30 de agosto de 2015

Ainda a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP)

As negociações e textos da PTCI são secretas até ao final das negociações. Porquê?


O Parlamento Europeu, o Conselho Europeu, Parlamentos dos Estados Membros e os cidadãos europeus não têm qualquer acesso oficial ao conteúdo das negociações e textos da PTCI. Assim, como cidadãos da UE, somos impossibilitados de saber os compromissos assumidos em nosso nome, assim como no das gerações futuras até as negociações estarem terminadas. 
Todavia, as empresas têm acesso privilegiado a esta informação assim como a possibilidade de influenciar os negociadores para obter o que lhes convém nestes acordos. 
Não há nenhuma razão justificável para este secretismo pois os negociadores de ambas as partes, tal como as empresas, sabem o que está na mesa de negociações. A informação é mantida secreta para o público, que poderia contestar os compromissos que estão a ser assumidos em seu nome.


Recentemente, a ONG Corporate European Observatory publicou um artigo sobre a falta de transparência quanto aos dados divulgados pela Comissão Europeia  após o Comissário do Comércio,  Karel De Gucht, ter comunicado através do The Gardian, em resposta a outro artigo, que as negociações sobre esta parceria são completamente transparentes.
Segundo a lista de participantes nas reuniões (lista, atualizada até Setembro de 2013) verifica-se que grande parte das reuniões são de facto com lobbies das diversas indústrias (automóvel, químicos, aeronáutica, cosmética, produtos alimentares, armamento, financeiras, entre outras). Das 130 reuniões realizadas, 119 são com lobbies. A mesma ONG vem, por comunicado, dirigir um apelo à Comissão Europeia, para que publique os nomes dos intervenientes das reuniões realizadas desde Setembro de 2013.
O OBJETIVO PRIMORDIAL DA PARCERIA TRANSATLÂNTICA DE COMÉRCIO E INVESTIMENTO 
harmonização de regulamentação significa harmonizar a regulamentação entre a UE e os EUA no sentido do menor denominador comum, i.e. descendo para uma forma de regulamentação mais permissiva, abrangendo todas as áreas. Isto significará a degradação da regulamentação da saúde e da segurança, da alimentação, da protecção ambiental, dos padrões laborais, da privacidade e muito mais, incluindo ainda a regulamentação dos serviços financeiros.
Sendo este acordo comercial parte da agenda internacional das empresas, a harmonização de regulamentos resultará numa tendência de maior permissividade dos mesmos face ás situações que cumprem regular, livrando-se dos conflitos de regulamentação entre os dois blocos económicos (EU e EUA), estando a ser discutida a criação de um Conselho de Cooperação para a Regulamentação. Este Conselho, composto membros não eleitos, será capaz de criar e substituir a legislação da UE, dando assim forma a um denominado de “acordo vivo”, por continuar a  regular para o futuro, onde os “players” do comércio e investimento abrangidos pela PTCI , incluindo as empresas do país parceiro (EUA), terão um papel relevante na preparação de toda a regulamentação futura.
Tudo isto não deixa de ser interessante de observar numa altura em que, estranhamente, a União Europeia, a par dos EUA, são os dois grandes blocos que foram exigindo nas suas relações comerciais externas a aposição de "cláusulas laborais" a respeitar pelos países menos desenvolvidos que ganharam vantagens comerciais comparativas precisamente à custa da desvalorização do valor do trabalho, de valores ambientais, de direitos humanos!
Claro que os números falam por si, sobretudo se apreciados isoladamente. Na verdade, diferentes estudos económicos realizados evidenciaram as vantagens económicas associadas à criação de uma zona de comércio livre entre os EUA e a UE (apesar de, note-se, não estar em causa a criação de uma zona que mimetize o mercado interno europeu).
Podemos, a partir desses trabalhos, destacar os seguintes factos relativos às relações transatlânticas:

  1. A União Europeia representa a maior economia mundial, estando em causa 25,1% do PIB mundial e 17% de todo o comércio mundial.
  2. Os EUA representam a segunda maior economia mundial com 21.6% do PIB mundial e 13,4% do comércio mundial;
  3. Juntas, as economias destes dois blocos económicos representam mais de metade do PIB mundial;
  4. As relações comerciais bilaterais são fundamentais para ambos os parceiros. Em 2011, a União Europeia foi o primeiro parceiro comercial dos EUA (com 17,6% de comércio de bens) sendo o Canadá o segundo maior e a China o terceiro;
  5. Os EUA representam o segundo maior parceiro comercial da União Europeia, representando 13,9% do comércio de bens (sendo a China o primeiro parceiro).
  6. As relações económicas transatlânticas estão profundamente integradas sendo em média transaccionados bilateralmente, por dia, quase 2 mil milhões de EUR em bens e serviços;
  7. 45 dos 50 Estados norte-americanos exportam mais para a Europa do que para a China. Em alguns casos a diferença é onze vezes superior (caso da Florida);
  8. A balança comercial dos EUA com a Europa é deficitária tendo esse valor sido agravado nos últimos anos face à crise financeira verificada na Europa.

As negociações do Tratado surgem, por conseguinte, na sequência de estudos económicos que evidenciaram as potencialidades de aprofundamento das relações comerciais transatlânticas face, nomeadamente, a um conjunto de obstáculos – pautais e não-pautais – que criavam entraves a esse aprofundamento. Estes obstáculos pautais são de fácil percepção – estamos a falar de taxas alfandegárias – sendo, consequentemente, de mais fácil negociação e de menor relevo uma vez que as taxas alfandegárias transatlânticas são, em geral, relativamente baixas, apesar de não serem negligenciáveis.


A OMC estima que as taxas alfandegárias praticadas pelos EUA sejam, em média, de 3,5% e as da União Europeia, em média, de 5,2%.

Não obstante, existe ainda algum proteccionismo em determinados setores económicos protegidos. Por exemplo, do lado da União Europeia são aplicadas taxas alfandegárias elevadas a produtos agrícolas, camiões (22%), calçado (17%), produtos audiovisuais (14%) e vestuário (12%).
Do lado americano subsistem taxas alfandegárias elevadas em produtos agrícolas processados (tabaco – 350%); têxteis (40%); vestuário (32%) e calçado (56%).
Estas taxas representam um valor residual no comércio bilateral (2% no caso das importações provenientes dos Estados Unidos para a Europa e 0,8 % no caso das importações provenientes da União Europeia para os EUA).

Resta saber qual é o preço a pagar na desregulação laboral dos países da União Europeia, sobretudo qual o preço a pagar pelos países do Sul da Europa, menos desenvolvidos e com mais fragilidades laborais que os demais.

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

CRONOGRAMA: Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA)

Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento (PTCI), designada de Transatlantic Free Trade Agreement (TAFTA) nos EUA e ainda noutros países conhecido por US/EU Trade and Investment partnership (TTIP)

Em 2005: Fruto da tentativa falhada, sobretudo face à grande oposição dos países menos desenvolvidos, da UE e dos EUA em criarem uma estratégia negocial de investimento internacional dentro do quadro jurídico da Organização Mundial de Comércio (OMC) e da OCDE, a UE e EUA viraram-se para uma estratégia negocial através da celebração de acordos bilaterais diretamente com os Estados - os chamados “bilateral investment treaties [BIT´s]. Foi então em 2006 publicado o documento “Europa Global”, em que se traçava o rumo da UE para prosseguir com acordos comerciais bilaterais e regionais.
Em 2009: Com o Tratado de Lisboa, a Comissão Europeia adquiriu competência para negociar acordos comerciais internacionais em nome dos Estados-Membros (cfr. artigo 207º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia [TFUE]). Recordamos que antes deste Tratado eram os Estados-Membros que negociavam a nível individual os seus acordos comerciais com outros países.
Em 2011: Os EUA e UE criaram um grupo de Trabalho de Alto Nível sobre o crescimento e o emprego, liderada pelo representante comercial dos EUA, Ron Kirk, e o Comissário de Comércio da UE, Karel De Gucht, para encontrar soluções para a crise económica.
Em 2013: A decisão de lançar a parceria foi formalmente proposta no encontro dos G8 em Julho de 2013.
CURIOSIDADES:
Relembramos, também, que comércio internacional e acordos comerciais internacionais são conceitos diferentes. O comércio ou a troca diferenciam-se dos acordos comerciais internacionais estabelecem um regime excecional ao regime de comércio internacional comum (o da OMC), concedendo direitos especiais e regimes mais favoráveis.
As barreiras tarifárias (impostos alfandegários) entre a UE e EUA são baixas (menos de 3%), pelo que claramento objetivo da PTCI situa-se, sobretudo, ao nível da remoção as barreiras não-pautais (diferenças de legislação).
O escopo da  PTCI é vasto, mas de acordo com o mandato da Comissão os pontos mais importantes são:
  1. Eliminar, tanto quanto possível, todos os direitos aduaneiros entre a UE e os EUA (imposto aduaneiro) . O que já se verifica, exceto no setor agrícola .
  2. Reduzir, ou mesmo eliminar as barreiras não pautais, consistindo nas normas que possam limitar o âmbito da competição económica. 
  3. Conceder ás empresas privadas o direito de litígio contra as leis e regulamentos dos diferentes Estados, sempre que essas empresas julguem que estas leis e regulamentos representam obstáculos desnecessários ao comércio, acesso aos mercados públicos, investimentos e atividades prestadoras de serviços. Estes litígios não serão resolvidos nos tribunais nacionais, mas através de estruturas de arbitragem privadas chamadas “mecanismos de resolução de litígios”
  4. Constituição de um Conselho de Cooperação para a Regulamentação com vista à harmonização da legislação entre UE e EUA.
Os pontos mais importantes da disputa são a política da UE para limitar as importações de alimentos geneticamente modificados, bem como a regulação mais flexível da UE no setor financeiro, ao contrário de leis nacionais mais rigorosas aplicáveis ​​aos bancos norte-americanos.

Releva apreciar neste contexto o lugar dos direitos dos trabalhadores no comércio internacional, partindo da política de comércio externo da União Europeia, através das chamadas "cláusulas sociais ou laborais".
Neste contexto importa, também ponderar na relação entre o comércio internacional e os direitos dos trabalhadores, partindo da histórica abordagem que os Estados Unidos sempre fizeram na introdução de preocupações laborais nas relações comerciais externas que foram estabelecendo.
Esta análise é hoje de extrema atualidade no seio das relações entre a União Europeia e os EUA, sobretudo porque, designadamente desde o Tratado de Lisboa, a definição e condução da política de comércio externo é uma competência exclusiva da UE e não já dos Estados-Membros e por isso é neste contexto que releva saber se a cláusula dos direitos laborais faz parte integrante dessa política.
Este tema relevantíssimo e de grande atualidade sobretudo por não pararem de surgir casos de grave violação dos direitos dos trabalhadores em países com os quais a UE tem mantido relações comerciais e de investimento [caso do grave acidente em 2013 em fábricas de vestuário no Bangladesh que vitimaram centenas de trabalhadores].
O avanço da liberalização das trocas internacionais não pode deixar de ser acompanhado com exigências de proteção dos direitos laborais nos países que se relacionam com o bloco da UE.
Em artigo próximo apreciaremos estes temas no quadro da Parceria Transatlântica para o Comércio e Investimento (PTCI).

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

O EMPREGO PÚBLICO EM PORTUGAL E AS SUAS MISTIFICAÇÕES


Em 2005, na administração central, os postos de trabalho eram de cerca de 578 mil, incluindo prestações de serviços. Na administração regional e local eram cerca de 170 mil. O peso da AP na população ativa era de 13% e desde 1999 até 2005 acentuou-se a desaceleração do pessoal administrativo na AP.
A importância do emprego público na população ativa, em 2013, estava abaixo do valor médio dos países da OCDE, sendo inferior ao da Noruega [28,8%], Suécia [28,3%], França [22%], Reino Unido [14,2%].
No presente, em Portugal, o rácio da Administração Pública em relação à população total é de apenas 5,5% e o emprego público nas administrações públicas fixa-se hoje em 10,7% da população ativa e 12,5% da totalidade da população empregada.
A percentagem do emprego público face à população empregada em Espanha é de 13,2%, em Inglaterra é de 17%, na Noruega é de 30%, em França de 19% e na Suécia é de 26%.
Já na Alemanha, há 40,4% de trabalhadores nomeados e 59,6% com contrato individual e em Espanha há 60% dos trabalhadores nomeados e 40% com contrato individual.
Por oposição, no Reino Unido há 9,3% trabalhadores nomeados e 90,7% com contrato individual.
Sublinho que, por exemplo, no caso alemão as convenções coletivas de trabalho que englobam setor público e privado acabaram por nivelar muito os contratos individuais de trabalho ao regime de nomeação em termos de duração da relação de emprego, em matéria de recrutamento e em matéria de remunerações.
Na Suiça, em 2000, pela Lei PERS, todos os funcionários públicos passaram para a contratação individual regulada pelo direito administrativo, assemelhando-se muito estas alterações às resultantes da reforma ocorrida em Portugal em 2008
Hoje em dia, em Portugal o pessoal nomeado representa uma minoria de 12%.
Quanto à estreita ligação do regime de avaliação de desempenho com as promoções dos trabalhadores e o seu sistema de remunerações , dir-se-á que o sistema português se assemelha muito com o existente na Suécia.
Dito isto, está visto que o desaparecimento do défice orçamental não se resolve apenas com a austeridade da função pública, tem a ver com outras medidas estruturais. É que países como a Alemanha, Suécia, Noruega têm um emprego público mais dilatado que o português e não sofrem das dificuldades orçamentais portuguesas.

* dados retirados da OCDE e publicados in revista "Questões Laborais", Ano XXI, n.º 45, dezembro de 2014, Coimbra Editora.