sexta-feira, 31 de julho de 2020

TRUMP, BOLSONARO E A QUEIXA NO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL: o crime de genocídio


Para percecionarmos o conceito de genocídio importa perceber a definição de grupo, que, com o tempo e com decisões judiciais e legislativas tem vindo a ser preenchida e concretizada, face à ocorrência, por vezes inovadora, de condutas que preenchem o tipo legal internacional que abordamos.
O que entendemos por grupo? De que modo este conceito se liga e revela na conceção do crime de genocídio? Que indivíduos integram um grupo? Quais as qualidades inerentes a cada grupo e que fazem dele isso mesmo, um grupo?
No ERTPI, o termo “grupo” traz um significado cuja identificação é muito relevante. O grupo visado pelo comportamento genocida pode assumir distintas vertentes, mas deve adquirir uma característica de estabilidade e de permanência, para que seja empiricamente identificado como tal.
Ora, o grupo que se pretende destruir deve ser encarado como tal. A prática de atos isolados e independentes de uma tal intenção de aniquilar um grupo, não se inscrevem no âmbito de considerações do genocídio.
O grupo deve ser considerado enquanto entidade separada e distinta e as suas características culturais, religiosas étnicas ou nacionais devem ser identificadas dentro do contexto sócio-histórico onde se inserem. Um grupo nacional será composto por um conjunto de pessoas que partilham um vínculo jurídico assente numa cidadania comum, conjugada com a reciprocidade de direitos e deveres ou ligadas por um sentimento de pertença comum, de identidade de raça, de religião, de linguagem ou de tradições comuns, nem sempre adquiridas pelo nascimento ou ao seu tempo.
O requisito da permanência e estabilidade podem revelar, nalguns casos, alguma dificuldade. Noutra perspetiva, a etnia de um grupo não necessita de corresponder a um espaço geográfico. Os grupos rácicos são compostos por indivíduos que, por hereditariedade, possuem as mesmas características físicas que, naturalmente, os distinguem de outros grupos, também eles rácicos.
Pois bem, os contexto da prática de tais atos deve incluir os designados atos preparatórios que revelam amiúde a criação de um padrão de conduta, tendo em conta o artigo 30.º do ERTPI.
O homicídio de membros do grupo – o efeito morte – não deve obedecer a um critério quantitativo. Este resultado não é sequer uma conditio sinae qua non da qualificação de um ato enquanto genocida. A prova dessa prática é facilitada com a comprovação de que, fruto de tais ataques, de tais políticas registam-se mortes no seio do grupo. Mas há outos requisitos para o crime de genocídio: a existência de ofensas graves a que a alínea b) se refere e que podem ser atos como a tortura, violação e violência sexuais ou um desumano e degradante tratamento.
Outros dos requisitos correspondem, ainda, às situações em que um ou mais membros do grupo são sujeitos a condições de vida,  com vista à sua destruição total ou parcial, que podem corresponder à privação das liberdades e direitos civis mais básicos, à privação de recursos naturais essenciais à sobrevivência humana ou à expulsão sistemática de residências.
Ainda tem de haver uma intenção de procurar atingir o grupo, com este específico objetivo, dirigido aos seus membros, no seu todo ou em parte. Esta é, de resto, uma distinção relevante entre o Crime de Genocídio e os Crimes Contra a Humanidade.
O elemento mental no crime de genocídio, à falta de uma confissão expressa do perpetrador, pode afastar-se da realidade dos factos, se não puder ser retirado da conduta, da organização do ato e da execução do mesmo.
À semelhança do que sucede com o crime de perseguição, o crime de genocídio distingue-se pela verificação de um dolus specialis, que, no entanto, deve ter uma conceção maior e de maior gravidade, que naquele primeiro, aliado à intenção de destruir um grupo protegido.
Todas estas ideias soltas que aqui deixo servem para nos fazer pensar, numa apreciação perfunctória, se há reais condições de condenação de Jair Bolsonaro do crime de genocídio... Considerando o que aqui ficou resumidamente dito, e por mais considerações de irresponsabilidade que possam ser feitas relativamente ao discurso, posições e ações destas duas figuras presidenciais, não nos parece estarem preenchidos os pressupostos para o cometimento do crime de genocídio…. pelo que será, pensamos, uma ação condenada ao fracasso, do ponto de vista jurídico.
Claro que outras portas parecem ser mais fáceis de abrir: ação coletiva de responsabilidade civil do Presidente pode ser uma delas.



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