sábado, 17 de outubro de 2015

DEMOCRACIAS SÓLIDAS E MADURAS E O ESTRANHO CASO PORTUGUÊS.

Este texto foi redigido a partir de uma observação atenta e desapaixonada dos acontecimentos últimos no cenário político português após as eleições ocorridas no passado dia 4 de outubro.
Não pretendo, de todo, que deste texto se extraiam quaisquer interpretações sobre a minha opinião sobre quem deve ou não deve ser indigitado Primeiro-Ministro em Portugal e menos ainda que se retire qualquer ilação sobre as minhas opções e simpatias. De resto, não pretendo, nem devo, emitir tais juízos de valor.
O meu texto é estritamente sociológico, histórico e jurídico e escrevo-o enquanto cidadã que tem uma leitura sobre o que se passa no mundo, na Europa e em Portugal.
Andamos vezes sem conta a explorar os exemplos que a Europa, alegadamente, nos vai dando nos mais variados setores: económico, financeiro, científico, cultural e ouvimos vezes demais nos vários meios de comunicação social sound bites que, estou certa, apesar de simplórios e até de raiz leviana vão acabando por entrar nos ouvidos de uma fatia da população.
Eu gosto de refletir primeiro no que ouço e não me limitar a reproduzir essas meias ideias.
Este é pois o contexto em que surge este texto. É um texto sem quaisquer segundas intenções e com o desprendimento de quem não depende de qualquer dos cenários futuros.
Pois bem, recordo que pela Europa fora alianças que resultam de maiorias parlamentares, e que não incluem o partido vencedor nas eleições, são comuns, designadamente em sistemas de pendor fortemente parlamentar.
Relembro que há poucos meses se admitia, no Reino Unido, um Governo de trabalhistas e nacionalistas escoceses, se os conservadores vencessem as legislativas sem maioria. Acabou por não ser o caso dada a vitória de David Cameron por maioria absoluta.
Em Espanha, embora nunca tenha sucedido no Governo central, vários governos regionais são liderados por forças que não ficaram em primeiro lugar, o que é visto com total naturalidade.
Já na Dinamarca, a força mais votada foi o Partido Social-Democrata, da primeira-ministra Helle Thorning-Schmidt, que chefiara desde 2011 um Executivo de três partidos (além do seu, os partidos Social Liberal e Socialista Popular), ainda assim sem maioria absoluta e por isso negociava apoios pontuais com ecologistas ou centristas no parlamento. Embora vencedora, com 26,3% dos votos e 47 de 179 deputados, Thorning-Schmidt demitiu-se na noite das eleições. É que os sociais-democratas cresceram em votos e assentos parlamentares, mas a direita (partidos Liberal, Popular, Conservador e Democrata-Cristão e Aliança Liberal) passou a ser maioritária. Ato contínuo, a rainha Margarida II convidou o liberal Lars Løkke Rasmussen (19%, 34 deputados) para chefiar o novo Executivo.
Um ano antes, o mesmo sucedera na vizinha Noruega. Vencedor das legislativas, o trabalhista Jens Stoltenberg cedeu a cadeira do poder à conservadora Erna Solberg, pois a direita teve mais deputados do que a esquerda.
Jean-Claude Juncker venceu as eleições no Luxemburgo e o seu Partido Social-Cristão foi o mais votado em quase todos os municípios (33,7%, 23 deputados). Ainda assim, o Partido Democrata (liberal), o Partido dos Trabalhadores Socialistas e os Verdes negociaram uma aliança que ficou conhecida como “coligação Gâmbia”, já que as cores dos seus membros são as da bandeira daquele país africano, escolhendo Xavier Bettel para Primeiro-Ministro, sendo este, até então, apenas presidente da câmara da capital, que obtivera 18,3% e 13 deputados.
Na Bélgica,  o Primeiro-Ministro, Charles Michel, é do Movimento Reformador (liberal francófono), que foi o quinto mais votado e terceiro em número de deputados (9,64%, 20 dos 150 assentos), mas foi o escolhido para liderar o governo, pelo que o rei Filipe nomeou Michel.
Na Suécia, o líder dos sociais-democratas, Stefan Löfven, tomou uma decisão arriscada na sequência das eleições de setembro de 2014: depois de vencer o ato eleitoral, com 31% dos votos, optou por formar um Governo minoritário com os Verdes. Os seus 113 deputados, somados aos 25 dos Verdes, não chegavam para ter maioria num Parlamento de 349 lugares. Necessitava, pois, de acordos pontuais com a direita ou com o Partido de Esquerda, que Löfven optara por excluir do Governo. A decisão saiu-lhe cara: pouco depois, o Orçamento do Estado foi chumbado, devido à inesperada oposição dos Democratas Suecos (nacionalistas radicais ), que tinham eleito 49 deputados. Houve eleições antecipadas, cenário que não se realizava na Suécia desde 1958. Foi então que os dotes de negociador do primeiro-ministro geraram uma nova solução. Três meses depois das eleições, é assinado o chamado “Acordo de dezembro”, entre o Governo de sociais-democratas e verdes e quatro partidos da oposição, membros da chama Aliança, de centro-direita, que governou na anterior legislatura: Partido Moderado, Partido do Centro, Partido Popular Liberal e Democratas-Cristãos.
O entendimento prevê que a Aliança não chumbará nenhum orçamento, caso isso ponha em causa a estabilidade do Governo, até 2022. Em troca, os seis partidos comprometeram-se a chegar a acordo relativamente a três áreas: defesa, pensões e energia. E, de caminho, tornaram quase irrelevantes os deputados da crescente extrema-direita.
Dito isto, é com grande admiração que assisto às sucessivas declarações de vários responsáveis políticos portugueses, da esquerda à direita, quase todos com ideias assentes no seguinte preconceito: quem vence eleições (mesmo que represente uma clara minoria de eleitores) governa, independentemente das forças escolhidas pelos portugueses para os representarem no parlamento, esquecendo o peso e a relevância da vontade dos demais portugueses que também foram às urnas manifestar a sua vontade.
Isto serve para sublinhar que apenas em Democracias pouco sólidas e imaturas este tipo de raciocínio pode continuar a fazer caminho. Na verdade, em Democracias respeitadoras de todos os que optaram por não ficar em casa, indo cumprir o importante dever de eleger, o esforço de conciliação de todos os partidos é valorizado e o povo penaliza quem se demite desse trabalho.
E num tempo em que, em variadíssimas ocasiões, os responsáveis políticos dos vários partidos da esquerda à direita portuguesa foram invocando os ventos que sopram da Europa, assim como os seus exemplos (bons e maus) para com eles conseguirem "vender" as suas ideias, seria bom também estudarem esta política de comprometimentos que é habitual e natural em vários (como demonstrei não são exemplos esporádicos) países da Europa.
De resto, julgo mesmo que a capacidade de interpretar TODOS os resultados eleitorais (e não apenas o único resultado eleitoral que lhe interessa) é apenas possível numa Democracia sólida e madura o que manifestamente não é, ainda, o caso português, infelizmente.