A independência dos tribunais - ou do poder
judicial - é proclamada na Constituição da República Portuguesa - artigo 203º -
nos seguintes termos: "Os tribunais são independentes e apenas sujeitos à
lei". Isto quer dizer que os tribunais, como Órgãos de Soberania incumbidos
de administrar a justiça em nome do povo, são independentes dos outros Órgãos de
Soberania, em nome do princípio de separação dos poderes.
Com a Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro, a expressão "auto governo da magistratura judicial" deixou de existir, tendo sido eliminada do art. 3º n.º 2 cuja redação dispõe: "A independência dos tribunais judiciais é garantida pela existência de um órgão de gestão e disciplina da magistratura judicial...".
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é o órgão de gestão e disciplina dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal em Portugal.
Muitas vezes visto apenas como o órgão disciplinar e de avaliação do mérito dos juízes, numa perspetiva simplista e minimalista que não enobrece, de resto, nenhuma jurisdição, é, na verdade, sobretudo nos tempos que correm, muito mais que isso.
Hoje a realidade judiciária é muito mais exigente que há 10, 20 e 30 anos atrás. Quem hoje recorre aos Tribunais está, também hoje, muito mais esclarecido e é mais exigente que os seus utilizadores de outrora.
A comunicação social voraz transforma o espaço da justiça num palco mediático que definitivamente não é o seu, sem, todavia, o poder ignorar!
Quem perspetiva o CSTAF, nos dias de hoje, como apenas o órgão de disciplina e avaliação do mérito dos juízes não conseguiu ver o verdadeiro recorte histórico do momento. O fenómeno de crescimento exponencial da demanda judiciária impõe o uso de regras próprias do "management" e elas pressupõem a definição de metas a alcançar. O desafio que se coloca está em resolver a questão da introdução de mecanismos de planeamento e definição de metas sem afetar a independência dos juízes. E não vale a pena continuar a negar uma realidade que já entrou pela porta do judiciário, por muito que muitos a queiram fazer sair pela janela! Basta apreciar os últimos programas eleitorais dos principais partidos políticos que têm sido governo no nosso país desde o 25 de abril para se perceber que essa realidade já entrou no judiciário sem qualquer pré-preparação e, sobretudo, sem se compreender que esta revolução implica, todavia, uma mudança estrutural no funcionamento dos Tribunais e na utilização de um conjunto conjugado de instrumentos associados à “accountability” e ao "management" como é o caso do impulso real da meritocracia e da justa compensação pelo trabalho.
O princípio da separação dos poderes impõe, na administração dos tribunais, portanto, um duplo condicionamento: o da ausência de hierarquias entre juízes e, a montante, a necessidade que o gestor do tribunal seja um juiz, o único com legitimação como líder, agindo embora “inter-pares”.
Uma reforma gestionária feita sem os juízes tem uma cumplicidade natural com o acrescer de dificuldades como se demonstrou na década de 90 do século anterior nos Estados Unidos, na justiça cível, com o “justice reform act".
Esta reconciliação entre a necessidade de “accountability” dos tribunais e a independência dos juízes só poderá ocorrer conferindo uma maior autonomia destes em relação ao poder executivo. Será, portanto, indispensável a outorga aos tribunais e ao CSTAF de uma acrescida autonomia de modo a permitir que a jurisdição se possa adaptar a uma realidade social cada vez mais dinâmica, mas é absolutamente essencial que todos os magistrados deixem de olhar para o seu Conselho Superior como um mero órgão de disciplina e avaliação do mérito.
A título meramente exemplificativo, o CSTAF pode ter uma atuação mais incisiva e pro-ativa no âmbito da apresentação ao Ministro da Justiça de propostas legislativas com vista ao aperfeiçoamento e eficiência da jurisdição administrativa e fiscal [cfr alínea j) do n.º 2 do artigo 74.º do novo ETAF]. Aliás, num dos artigos que aqui já publiquei, deixei, de resto, uma simples sugestão que não importa qualquer custo acrescido para o Estado: por força do disposto no artigo 56.º A do novo ETAF, está dependente de uma simples portaria a possibilidade de se poderem recrutar assessores para os Tribunais Administrativos e Fiscais e isso poder-se-á concretizar sem custos, bastando que a referida portaria preveja um recrutamento e que este se concretize de entre trabalhadores já titulares de uma relação de emprego público previamente constituída, mediante um procedimento concursal comum para recrutar juristas, economistas e contabilistas, em regime de comissão de serviço, por exemplo em períodos de 5 anos, limitadas a "x" renovações, sendo motivação bastante criar, por exemplo, um regime especial de acesso ao CEJ para estes assessores juristas.
Por outro lado, para podermos introduzir a ideia de “accountability” e para que ela efetivamente funcione nos Tribunais há alguns fatores-chave decisivos:
Em suma, o próximo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais tem nas mãos um desafio hercúleo: saber estar à altura dos novos tempos e dos novos desafios e exigências, prestigiando a jurisdição e conseguindo alcançar mais meios e melhores condições para que os juízes consigam fazer o seu trabalho, motivados, fazendo parte da solução, satisfazendo a justiça e, por essa via, o cidadão que é, definitivamente, o nosso foco essencial.
Contudo, importa não esquecer que ser juiz é uma profissão como qualquer outra. Não somos missionários, como não são os médicos, os engenheiros, os economistas, os advogados, os professores, os empresários, os arquitetos, os gestores públicos, os membros das entidades reguladoras, os trabalhadores e dirigentes do banco de Portugal e todos os demais profissionais.
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