DEFENDO HÁ MUITO O TELETRABALHO, PARCIAL OU NÃO, NALGUMAS PRESTAÇÕES LABORAIS, QUER NO SETOR PRIVADO, COMO NO PÚBLICO
O teletrabalho pressupõe a existência de um contrato que estabeleça e regule as condições laborais em que se desenvolve o teletrabalho, podendo este ocorrer a partir de casa do(a) trabalhador(a), em centros de teletrabalho, escritórios satélite, teletrabalho móvel, escritórios partilhados, offshore (teletrabalho transfronteiriço) e assumir uma modalidade a tempo inteiro, tempo parcial, em alternância (alguns dias por semana) ou ocasional.
A delimitação da modalidade de teletrabalho passa pela caraterização de três aspetos: o local de trabalho, o tipo de ligação entre o empregador e o trabalhador e a natureza jurídica do vínculo estabelecido entre as partes.
O teletrabalho, em regra, é realizado no domicílio do trabalhador, sendo esta a primeira e a mais divulgada modalidade de prestação de trabalho à distância, face à facilidade na sua implementação e ao reduzido investimento a cargo do empregador, considerando a possibilidade de aproveitamento dos recursos existentes no domicílio do trabalhador, designadamente internet e, em muitos casos, até, computador pessoal.
O teletrabalho subordinado, exercido no domicílio do trabalhador, coloca em questão as regras do Direito de Trabalho quanto à duração do trabalho, à conciliação do tempo de trabalho com o tempo livre e tem repercussões nos direitos de personalidade dos trabalhadores. Admite-se que a flexibilidade horária, além das potenciais vantagens que apresenta, potencie a prestação de trabalho para além dos períodos normais de trabalho. Por um lado, o trabalhador perde, tendencialmente, o controlo do tempo de trabalho. Propicia-se, ainda, o aumento da pressão profissional, sendo determinante para tal pressão o facto de o teletrabalhador estar permanentemente contactável.
Na doutrina tem-se afirmado que o teletrabalho se traduz, para as empresas, em ganhos de produtividade e competitividade, redução do absentismo e da rotatividade, menor exposição à incidência de fatores externos que colocam em causa o funcionamento da empresa (como o caso das greves). Há quem considere que os níveis de produtividade, tendencialmente, aumentem devido à inclusão de uma política de gestão por objetivos.
O teletrabalho afeta positivamente a atratividade da organização, a otimização dos espaços disponíveis na empresa e a compressão de despesas com as infraestruturas e com o pessoal.
Com a adoção do teletrabalho flexibiliza-se a estruturação da jornada de trabalho, permitindo-se uma gestão eficaz dos fluxos de trabalho, e potencia-se a realização de trabalho por objetivos.
Portugal foi o primeiro país a nível europeu a disciplinar juridicamente a modalidade de teletrabalho. O regime jurídico do teletrabalho teve a sua primeira consagração legal nos artigos 233.º a 243.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de agosto, que aprovou o Código do Trabalho, entretanto já revogado. Por sua vez, a Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, que aprovou o novo Código do Trabalho, regula o teletrabalho nos artigos 165.º a 171.º, sem relevantes alterações face ao anterior regime.
No Código do Trabalho, o teletrabalho é definido como a prestação laboral realizada com subordinação jurídica, habitualmente fora da empresa e através do recurso a tecnologias de informação e de comunicação (artigo 165.º do CT), estipulando-se que para se exercer a atividade no regime de teletrabalho seja necessária a celebração de um contrato de prestação subordinada de teletrabalho (artigo 166.º do CT).
Mas atenção, no setor público, há alguns trabalhadores que são nomeados e para estes não se celebrará qualquer contrato. A possibilidade de exercício de funções em teletrabalho, nestes casos, implicará a aceitação por escrito de todos os trabalhadores, onde deverão estar consagradas as condições concretas desse exercícios, meios a disponibilizar pela empregadora e meios a disponibilizar pelos trabalhadores.
O Código do Trabalho limitou a regulamentação ao teletrabalho subordinado (artigos 165.º e 166.º, n.º 1), ou seja, aquele que se realiza em regime de subordinação jurídica, sob ordens e direção do empregador.
O Código do Trabalho prevê a igualdade de tratamento do trabalhador em regime de teletrabalho, pretendendo-se evitar que os teletrabalhadores sejam desfavorecidos comparativamente com os demais trabalhadores: o trabalhador em regime de teletrabalho tem os mesmos direitos e deveres dos demais trabalhadores, nomeadamente no que se refere à formação e promoção ou carreira profissionais, aos limites do período normal de trabalho e outras condições de trabalho, segurança e saúde no trabalho e reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional (artigo 169.º, n.º 1).
AS LIDERANÇAS DEVEM AJUSTAR-SE AOS NOVOS TEMPOS E ABANDONAR O MODELO LABORAL DO SÉCULO XIX. O TELETRABALHO EXIGE, SOBRETUDO, MATURIDADE E COMPETÊNCIA DOS LÍDERES/GESTORES
Defendo há muito este regime na Administração Pública, sabendo que ele depende, naturalmente, do exercício dos poderes discricionários que no assunto detêm. Todavia, nas prestações laborais cujas funções sejam eminentemente produzir relatórios, pareceres, contabilidade, gestão financeira, o regime de teletrabalho no setor público parcial tem enormes vantagens que acredito se refletiriam na despesa pública, na produtividade, na motivação no trabalho.
Funções de inspeção, auditoria, contabilidade, mera emissão de pareceres/informações podem bem, parcialmente pelo menos, ser prestadas em casa, num regime rotativo [por exemplo de 2 vezes por semana].
Liderar equipas tradicionais e equipas virtuais é diferente. Mas o mundo laboral privado, sobretudo nas grandes organizações [multinacionais] demonstrou poder ter ganhos de eficiência, qualidade e motivação no trabalho.
No modelo de trabalho tradicional, os estilos de liderança baseiam-se na gestão e no controlo presencial do trabalhador durante a realização do seu trabalho, num modelo hierarquizado presencial e direto.
Com a emergência do teletrabalho, este modelo de gestão não pode ser feito nos mesmos termos, embora as novas tecnologias possam permitir uma certa aproximação aos princípios do modelo tradicional. De facto, devido à natureza da modalidade de teletrabalho, a “presença” do empregador será sempre assegurada através da utilização de tecnologias de informação e comunicação, e com inteligência, espirito de liderança, fixando objetivos claros e com potenciação de comunicação por vídeo-chamadas, sempre que necessário, como se de uma presença física se tratasse.
Considerando que à modalidade de teletrabalho está subjacente o recurso a tecnologias de informação e de comunicação, enquanto ferramenta de trabalho, não oferece dúvidas a constatação de que estes instrumentos de trabalho podem desempenhar uma dupla função na supervisão do comportamento e do desempenho dos teletrabalhadores e, simultaneamente, facilitar a interação entre o teletrabalhador, o superior hierárquico e os colegas de trabalho.
No que concerne à supervisão dos trabalhadores, de acordo com os objetivos definidos pelo gestor, as práticas de supervisão e controlo podem reconduzir-se a três modalidades: supervisão remota online, avaliação da execução dos objetivos pré-definidos ou avaliação dos resultados do trabalho. A escolha da sua finalidade depende das estratégias de gestão da entidade empregadora, desde que sejam salvaguardados os direitos de personalidade dos trabalhadores.
Diria que uma relação laboral baseada na autonomia e confiança nos trabalhadores é o atributo vital de um verdadeiro gestor/líder com capacidade de liderança de equipas, em detrimento do que designa de um estilo Big Brother existente no modelo tradicional da prestação do trabalho na sede do empregador, por isso, entendo que a gestão dos teletrabalhadores à distância pode ser efetuada eficazmente e de forma semelhante à gestão presencial dos trabalhadores, as prestações de trabalho que admitam este recurso, e são muitas!
Daí que assuma que uma das mudanças apresentadas em relação ao estilo de liderança é aquela que sugere a passagem de um sistema de gestão baseado no processo, isto é, no controlo do tempo e no modo de execução para um sistema baseado nos resultados do trabalho, modificação que implica uma diminuição do controlo externo efetuado pelo gestor e um aumento do controlo efetuado pelo próprio teletrabalhador.
Assim, o modelo de gestão tradicional, baseado no contacto presencial, na supervisão direta, na hierarquia e autoridade, é substituído por uma gestão virtual em que se deve efetuar a definição prévia dos objetivos e consequente avaliação dos resultados, fomentar uma comunicação bidirecional eficaz e frequente com os teletrabalhadores, integrando o contacto presencial com a comunicação eletrónica, fornecer um feedback regular e fomentar a confiança mútua entre as partes. Por isso, a definição clara de objetivos assume um papel importante mas, também, o mais difícil nas equipas virtuais. O empregador deve efetuar uma definição clara, mensurável e atingível dos objetivos que direcionem a atuação dos trabalhadores, estabelecendo o resultado a atingir, o nível de qualidade do serviço, o tempo de execução e fornecendo instruções acerca do trabalho a desenvolver.
Mas a utilização desta modalidade de prestação do trabalho exige cada vez mais lideres preparados, competentes e capazes desta tarefa de supervisão, capazes de orientar, capazes de definir objetivos e isso exige competência.
OS FAMOSOS MEIOS QUE DEVEM EXISTIR PARA A IMPLEMENTAÇÃO DO TELETRABALHO
Muitas organizações, sobretudo no setor público, alheadas da aplicação do regime de teletrabalho, mesmo em serviços que o permitiriam claramente, pelo menos parcialmente, mas, sobretudo, lideradas por gestores do século XIX, não sabem caracterizar o regime e, em consequência, não admitem sequer estuda-lo.
Contudo, releva sublinhar a importância de não confundir o teletrabalho com um "conceito inventado" de "trabalho em casa". É que não existe "trabalho em casa" no código de trabalho e na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas que, nesta parte, remete para o Código de Trabalho. Se a prestação de serviço, total ou parcialmente, for passível de ser prestada em casa, com recurso às novas tecnologias, a isso se chama teletrabalho.
É que, com a emergência do teletrabalho podem ser utilizadas diversas tecnologias de informação e comunicação como as câmaras de vídeo, os microfones, os telefones, o e-mail, a internet, a partilha de ficheiros através do servidor do empregador, tudo feito por computador e as empregadoras podem usar todos estes meios ou apenas alguns deles, desde que a prestação do trabalho possa ser feito por esta via.
Apenas chamamos a atenção para o facto de a Organização Internacional do Trabalho (OIT), ao ter aprovado o Código de Conduta da Organização Internacional do Trabalho sobre a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores, relevam os seguintes princípios:
a) os trabalhadores alvo de monitorização devem ser informados com antecedência acerca da finalidade, métodos utilizados e informações a recolher, devendo o empregador minimizar a intrusão na privacidade dos trabalhadores (ponto 6.14, n.º 1);
b) a monitorização contínua só deve ser permitida no âmbito da proteção da saúde, segurança ou propriedade (ponto 6.14, n.º 2),
c) os dados pessoais recolhidos para garantir a segurança e o bom funcionamento dos sistemas automatizados de informação não devem ser utilizados para controlar o comportamento dos trabalhadores (ponto 5.4),
d) os dados pessoais recolhidos através da monitorização eletrónica não devem ser os únicos elementos da avaliação do desempenho dos trabalhadores (ponto 5.6).
E QUE DIZER DO TELETRABALHO NESTE ESTADO DE EMERGÊNCIA?
Aqui foi instituído o regime de teletrabalho, quer no setor público, como no setor privado, desde o Decreto-Lei-10-A/2020, de 13 de março, imposto pela entidade empregadora, ou, não o sendo, por requerimento do trabalhador, e sem acordo do empregador. Aqui, todas as regras gerais do teletrabalho devem ser flexibilizadas, devendo todos saber interpretar o espirito destes regimes especiais e temporários.
Mas não estamos numa situação de normalidade, pelo que neste Estado de Necessidade em que nos encontramos, o recurso ao teletrabalho deixou de ser uma possibilidade negocial e passou a resultar imperativamente da lei, desde que e sempre que as funções desempenhadas o permitam, em especial desde que os trabalhadores não sejam trabalhadores de serviços essenciais, dispensando-se todas as formalidades que, numa situação de normalidade seriam exigíveis para o instituir, em particular a celebração de um contrato de prestação subordinada de teletrabalho (artigo 166.º do CT).
Porém, com o Decreto Presidencial n.º 14-A/2020, de 18 de março que declarou o estado de emergência, com fundamento na verificação de uma situação de calamidade pública, concretizado na Lei n.º 1-A/2020 de 19 de março que adotou medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, foram ratificados os efeitos do Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, com produção de efeitos retroativos à sua vigência, por um lado, e, por outro, foi generalizado o teletrabalho, quer na participação por meios telemáticos, designadamente vídeo ou teleconferência de membros de órgãos colegiais de entidades públicas ou privadas nas respetivas reuniões, quer prestação de provas públicas previstas em regimes gerais ou especiais pode ser realizada por videoconferência, desde que haja acordo entre o júri e o respetivo candidato e as condições técnicas para o efeito, nos termos do seu artigo 5.º, e, ainda, é referido que “… sem prejuízo das competências atribuídas pela Constituição e pela lei a órgãos de soberania de caráter eletivo, o disposto na presente lei, bem como no Decreto -Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, prevalece sobre normas legais, gerais e especiais que disponham em sentido contrário, designadamente as constantes da lei do Orçamento do Estado…”.
Quando for publicada a Resolução de Conselho de Ministros as medidas serão mais concretamente determinadas.
Em suma, neste contexto de Estado de Emergência e Estado de Necessidade o teletrabalho foi regulado excecionalmente, não exige requisitos formais, bastando que a função possa ser prestada em casa no essencial, usando contactos móveis, um computador e internet.